Risco de hereditariedade para o câncer: impacto familiar
Um diagnóstico confirmado ou mesmo a constatação de uma condição de alto risco para o desenvolvimento de câncer pode causar profundas alterações em uma pessoa. Indivíduos de famílias com predisposição hereditária ao câncer, além de se preocupar com o próprio risco, vivem uma preocupação constante quanto ao risco para seus familiares.
A experiência ao receber a informação da predisposição de risco aumentado para o desenvolvimento de câncer pode ser angustiante. Nesse contexto, o aconselhamento genético, um serviço prestado por especialistas ligados à oncogenética, é um passo fundamental para esclarecer e planejar o caminho a ser seguido, ajudando indivíduos e familiares a se organizarem para o enfrentamento.
Muitas das situações de predisposição hereditária ao câncer são do tipo autossômica dominante, isto é, se um dos pais é portador de uma mutação patogênica (alteração no DNA associada ao risco aumentado de câncer), há chance de 50% de passar essa alteração para seus descendentes. Se o descendente herdar a alteração, o risco de desenvolvimento de câncer será aumentado. Caso a alteração não seja transmitida, o risco de câncer será igual ao da população.
É importante salientar que quando se herda uma mutação patogênica, o risco é aumentado, no entanto, depende de vários fatores. Um dos fatores é a “penetrância”. A penetrância é a chance da doença se manifestar caso a alteração genética predisponente seja herdada. Por exemplo, se a penetrância é de 80%, o risco de desenvolvimento de câncer ao longo da vida pode chegar a 80%; se a penetrância for de 50%, o risco poderá chegar a 50%. Assim, existem genes de baixa penetrância e genes de alta penetrância. Esse conceito é importante porque auxilia nas decisões sobre padronizações de checkup e acompanhamento: idade de início de checkup, tipos e intervalos de realização de exame, orientações sobre prevenção. Essa atitude permite a discussão de cirurgias preventivas e cirurgias de redução de risco, aumenta a chance de diagnóstico precoce e dá segurança ao paciente e seus familiares. Esse é um trabalho desempenhado por equipe multiprofissional, especializada na identificação de indivíduos sob risco, em alguns centros conhecido referenciado como “Clínica de Alto Risco”.
Se por um lado familiares sem risco elevado de câncer (aqueles que não herdaram a mutação) podem ter sentimentos de culpa por não serem portadores de uma alteração genética, os portadores da alteração genética (aqueles que herdaram a mutação) podem sentir culpa pelo potencial de transmitir o risco aos filhos. Por essa razão, o contexto familiar e as experiências da família com câncer influenciam a forma de comunicação sobre o risco de hereditariedade, a decisão sobre a realização de teste genético (teste que permite a identificação dos indivíduos sob risco pela identificação da mutação) e a adesão às recomendações de acompanhamento personalizado.
Mas o que é um teste genético? O teste é uma maneira objetiva de obter informações sobre a existência ou não de alterações em nosso DNA que possam ser responsabilizadas pelo aparecimento do câncer. Se as alterações forem herdadas (transmitidas pelo pai ou pela mãe), estarão presentes no DNA de todas as células do filho. Sendo assim, o teste é mais comumente realizado no sangue ou saliva. Ou seja, ao encontrarmos uma alteração no DNA das células sanguíneas ou da saliva (que não são células tumorais), significa que a alteração foi herdada, ou se desenvolveu logo após a fecundação, na formação do embrião. Quando isso acontece, todas células do indivíduo irão conter a mesma alteração no DNA. Se essa alteração ocorrer em um parte do DNA (gene) responsável por mecanismos de controle da divisão e da proliferação celular, o controle fica prejudicado, levando a um risco aumentado de desenvolvimento de câncer. Na maior parte das vezes, no entanto, se alguém tem um câncer, não significa que herdou uma predisposição. As alterações que levam ao desenvolvimento de um câncer podem surgir como consequência da exposição continuada a fatores de risco: cigarro, obesidade, dietas de má qualidade, abuso de álcool, exposição solar sem cuidados de proteção, infecções virais e bacterianas (vírus do HPV, vírus da Hepatite C, bactéria Helicobacter pylori no estômago) e sedentarismo, entre outros. Nesse caso, ao se fazer o teste genético, não encontraremos alterações no DNA que possam ser responsabilizadas pelo aparecimento do câncer, isto é, as alterações estarão restritas às células cancerígenas no órgão onde o tumor apareceu e não estarão presentes no DNA da célula do sangue ou da saliva. Nessa situação chamamos de câncer esporádico, pois o tumor se desenvolveu como consequência da exposição a fatores de risco ambientais e hábitos de vida e não como consequência de uma alteração genética herdada, situação na qual chamaríamos de câncer hereditário. Com a evolução tecnológica, os testes são feitos cada vez mais na forma de painéis genéticos, uma análise ao mesmo tempo de vários segmentos do DNA (vários genes) que sabidamente estariam associados a maior chance de ter uma mutação patogênica, isto é, de conter uma alteração responsável pelo aumento do risco de câncer.
A decisão sobre a realização de um teste genético de predisposição ao câncer pode ser individual, porém as informações sobre o risco de câncer afetam toda a família. Durante o aconselhamento genético, os profissionais de saúde devem enfatizar a importância da comunicação do risco de câncer aos familiares. Além disso, espera-se que ao saber do risco, o indivíduo procure orientação adequada para prevenção e manejo.
Alguns aspectos da estrutura familiar podem auxiliar na suspeita clínica quanto ao risco de predisposição hereditária ao câncer: presença de casos de câncer em parentes de 1º e 2º grau, acometimento de mais de uma geração, casos de câncer em idade jovem, diagnóstico de algum tipo de câncer mais raro, e mais de um câncer no mesmo indivíduo, entre outros. Em relação ao câncer de pele, também existe a possibilidade de risco aumentado relacionado à hereditariedade. Por exemplo, algumas síndromes de predisposição hereditária ao câncer aumentam o risco do aparecimento de melanoma. Certas famílias podem ter melanoma hereditário e outras serem portadoras de outras síndromes que incluem o melanoma, entre os tumores. Pacientes com carcinoma basocelular múltiplo devem ser investigados quanto à possibilidade de terem uma predisposição genética. O diagnóstico específico de carcinoma sebáceo também pode indicar a possibilidade de síndrome hereditária.
Ao ler esse texto, se você percebeu algum desses aspectos em sua estrutura familiar, não deixe de procurar orientação especializada em um serviço de oncogenética. O diagnóstico molecular de uma predisposição genética feito a partir de uma coleta simples de exame de sangue ou saliva para realização do teste genético, hoje disponível comercialmente, pode ajudar você e sua família e minimizarem o risco e as consequências de um diagnóstico tardio.